30/12/2017

Motel 666


“O coração à beira de um ataque. A certeza de te encontrar. A sintonia nítida, única. A madrugada. Cômodos e casas destruídos. Nossa ruína.”


Embalada nos braços de Sandman reencontro uma vez mais um cenário que conheço tanto. Um sonho que se repete com pouca frequência, mas que me tira do ar, me arranca os anos, me tira a vida. Um preço alto, mas pelo qual pago sem hesitar até o fim dos tempos. Ver-te, encontrar-te. Nos subterrâneos do salão onde realiza-se o culto negro. Ser sua. Ser sua por segundos, ser para sempre.

Meus pés sabem exatamente quais caminhos percorrer. Desço do trem como se esperasse minha morte. E minha morte é você! Caminho entre a multidão apagada. Atravesso avenidas, percorro uma longa distância antes de entrar à esquerda, em uma pequena rua esquecida. O fim do dia cede à noite vagarosamente, a contragosto. A fuligem consome  a cidade cinza. Caminho até a metade do segundo quarteirão e avisto, ansiosa,  uma porta metálica discreta, onde se lê, logo acima, contra o céu desbotado, Motel.

Sei que me conhecem. Mas na recepção sinto como se não. Peço o quarto 666. Ali existe a passagem para o culto negro. E você estará numa sala, logo após a descida através do salão sombrio.

Pego um elevador. Sexto andar. Ele pára suavemente. Desço, e andando pelo corredor estranhamente claro, parcebo que o Motel foi reformado. Nosso quarto, demolido. Nada do que conheço está ali. Corro em lágrimas entre as portas desconhecidas. O odor é de tinta fresca. Destruído! Meu último acesso a você.


Acordo banhada em lágrimas com a lembrança dos encontros anteriores proporcionados nas terras de meu pai; Sandman. 

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Lembro-me com dor exatamente o que havia atrás da porta de número 666: um portal magnífico que escancarava-se para o que parecia ser um grande salão. Sua escuridão sem tamanho gritava por minha alma. Recordo-me de atravessar para o outro lado sem pensar sequer uma vez, pois sabia quem iria encontrar. 
Lá dentro, ao centro, sobre uma impressionante mesa de madeira circular, crepitavam dezenas de velas vermelhas que embora em grande número, não eram suficientes para iluminar mais do que alguns poucos metros ao seu redor. Pessoas, ou o que pareciam ser, circulavam em volta da enorme mesa, trajadas em capas pretas longas, pareciam flutuar sobre o marmore que refletia o bruxelear incessante das luzes. Cobertos por capuzes enormes, os seres andavam aos pares murmurando palavras ininteligíveis, enquanto a luz torcia seus rostos formando expressões que jamais vi na vida real. A sensaçao era macabra, e o ar estava carregado de um cheiro antigo, mas muito familiar em meus sonhos. O cheiro do além..
Era preciso cruzar o salão, o rito, o que quer que fosse, e por fim encontrar-te. Sempre soube.
Era preciso superar o medo, a dor, a danação eterna.

Andei rapidamente em direção ao centro iluminado. Algumas caveiras cobertas por cera vermelha derretida completavam a mórbida decoração da mesa. Em ritos como esses, ossos e crânios têm posições certas, como atores em um palco teatral. Contornei a mesa quase sem respirar, sentindo olhares discretos e ameaçadores de muitos que ali se encontravam.

Segui ao norte até o fim do aposento, onde iniciou-se uma lenta descida. Embora enxergasse nitidamente, não haviam luzes, apenas um vento frio insistente. O caminho serpenteava inclinando-se para baixo cada vez mais íngrime. Meu coraçao por certo já havia parado, e ficado para trás, esquecido em alguma curva. Quando senti que devia estar morta, a descida cessou, e terminou em outro sinistro portal pelo qual atravessei para um estreito ambiente vazio de paredes negras e muitas portas fechadas. Um labirinto que sempre soube como percorrer.
O 666 do nosso amor estava ali, atrás da porta que escolhi abrir. Encarei teus olhos escuros de lobo, a barba negra e hirsuta, sua alma sem piedade. Entreguei-me...em sangue e amor.

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Não o encontraria mais. Nosso quarto fora destruído. Nossa ligação também. Desde essa madrugada não o vejo em sonhos. Estou bloqueada deste lado. Sinto sua falta. Meu peito arde..... 

Morrer é fácil....viver com essa saudade é o purgatório a que fui condenada. Tenha piedade lobo! Esse corvo faleceu.....e renasceu....sobre quatro patas....
Patas essas que perseguir-te-ão até o inferno, até o fim dos tempos.

Aurrrrrr

26/02/2016

26/02



Com os olhos bem fechados e as mãos sob o travesseiro, pensei nele com dor e saudade. Como se caísse num abismo, todo o meu corpo se concentrou em sua imagem, na sensação que aquele amor causou e ainda poderia causar. Escorreguei a mão entre meu corpo e o colchão, e me toquei. Percebi minha própria respiração se intensificar e o coração bater acelerado. Prendi a respiração e cheguei o mais próximo que poderia estar dele naquele momento para em seguida abraçar Sandman, de pernas enfraquecidas.
 
...
 
Uma madrugada qualquer no subterrâneo. A cidade doente não vê a luz do sol há anos. Apenas alguns poucos privilegiados são autorizados a acessar o horizonte. Todos foram forçados a mudar-se para baixo da terra e levaram consigo a violência, as drogas, o caos. O transporte é feito por meio de trens que ligam bairros subterrâneos afastados. A rede metroviária cresceu, o monopólio também.
 
Desço em uma grande plataforma. Tudo é familiar. A grande concentração de pessoas moribundas, a confusão do fluxo, as vozes metálicas gravadas soando repetidamente ordens que ninguém parece escutar. O empurra-empurra das filas. A grande plataforma é sufocante, escura. Ali avisto 4 trens que vão para diferentes destinos. A polícia mantém vigilância estrita. Pessoas de cabeças baixas, subnutridas, lutam para estar de pé e embarcar para seja lá qual for o destino na atmosfera sufocante. Não há conversa, apenas olhares vazios.
Nada me pareceu novo quando desci as escadas. Nada. A poucos metros de embarcar num trem cinzento houve algum tipo de confusão. Alguém ficara preso entre o metal do vagão e a plataforma de cimento. Gritaria dos guardas, tumulto.
Diminui o passo, desviei da confusão e me mantive alerta. Pegaria o próximo trem. Uma ansiedade apertava meu peito. Olhei através da multidão dopada e um susto amoleceu minhas pernas.
Não! Não poderia ser! Encostado na parede da plataforma, com um moleton escuro de banda e capuz, reencontrava os olhos lupinos. Não podia ser! Prendi a respiração e encarei. Era o meu lobo, a barba negra cerrada e os olhos intimidadores que brilharam por uma fração de segundo. Ele pareceu igualmente estarrecido. Caminhei como pude até ele, que permaneceu exatamente onde estava. Aos empurrões cheguei a menos de um metro. Ele me esperava com os braços estendidos, um sorriso sem mostrar os dentes. Abracei-o numa onda elétrica, e senti que ia desmaiar:
 
- Lobo - Susurrei, as lágrimas embargando a voz.
- Se acalme, fique aqui comigo. Tente não ser notada.
 
Me mantive agarrada a seu corpo como pude. Ele falava muito baixo:
 
- Finja normalidade. Não deixem notar nada.
 
Permaneci de cabeça baixa, segurada por ele. A confusão havia passado e um novo trem chegava a plataforma agitando roupas e cabelos, aliviando temporariamente o excesso de gás carbônico dali.
As portas se abriram e sem fazer movimentos bruscos acompanhei-o até um pequeno espaço vazio entre bancos e uma janela quebrada.
Dentro dos trens não havia vigilância. Acontecia de tudo. Uma máfia de pervertidos mandava ali sob as vistas da polícia. Dentro dos trens não haviam regras, câmeras ou segundas chances.
As portas se fecharam com violência e o trem entrou em movimento. Levantei os olhos para ele pela segunda vez. Ele me colocou contra a parede, encarou-me por breves segundos e me beijou. Tudo podia acabar ali. Minha vida tinha valido a pena. Reencontrá-lo vivo era mais do que jamais poderia sonhar. Tê-lo em meus braços era encarar uma morte doce, pacata. Em breves minutos entre estações senti a alma toda arder. Tentava falar, mas não conseguia, minhas lágrimas salgaram seus lábios macios e deslizaram sobre a barba negra. Seu corpo todo me forçava  gentilmente contra a parede do vagão e a instabilidade dos trilhos me fazia senti-lo por inteiro; estava arrepiada. Ele estava sério, o rosto cheio de sombras incompreensíveis. "Próxima estação.." Nos contraímos, e ele me apertou num abraço fortíssimo, dizendo:
 
- Ninguém vai tirá-la de mim. Amanhã...
 
O trem se aproximava da estação quando ele soltou rapidamente minhas mãos, e com os olhos vermelhos deu-me as costas. As portas sacudiram e eu o vi partir sem olhar para trás. Escondi o rosto com as mãos e as lágrimas escorreram doloridas. Ele levara tudo com ele, tudo de mim. O trem seguiu silencioso. Meus soluços não passariam até encontra-lo novamente no dia seguinte. Era preciso sobreviver mais um dia.
 
...Mais um dia...

Gritei. Gritei alto dentro do túnel. Dor, pavor e lágrimas. Caí de joelhos, me faltava o ar..
 
.....
 
Acordei molhada, as pernas entreabertas, as bochechas coradas. Havia ele acabado de partir também na vida real...? 

04/03/2014

Night,MarewithHer?



Sempre soube que é no subsolo que a energia dos espíritos consegue fluir livremente.
Se era dia, se era noite, não sei. Estava sozinha dentro de um vagão de metrô. Ou quase sozinha.
O único coração que batia devia ser o meu. Mas se me esforçar para lembrar acho que vejo vultos através do canto dos meu olhos. Deveria sim haver uma pessoa ali, outra aqui. Sim, havia...
A morte simplismente acontece. Para algumas pessoas ela vem na forma de uma catástrofe instantânea e o corpo se desfigura em um segundo. Existem sinais que precedem este momento, mas dificilmente eles fazem sentido para quem os enxerga. E quando se dá conta, tarde demais.
Não houve sinal, não houve nada. Os fantasmas que assistiam de longe viram os dois trens no mesmo trilho. Não havia volta. Nos instantes que precederam a tragédia fez-se um silêncio estarrecedor. Foi como se os vagões flutuassem ao invés de serem arrastados em trilhos por meio de rodas. Também não houve deslocamento de ar, nem barulho de maquinário. Alguns dos espíritos prenderam o fôlego (ou pelo menos acreditaram que o fizeram) e uma série de outros escancararam a boca preta sem fundo num sorriso de dentes sedentos por sangue.
E ele correu. Houve um choque violentíssimo, seguido de uma explosão, e ao mesmo tempo inúmeros barulhos de metal se retorcendo aqui e ali, ferragens se quebrando e vidros se estilhaçando. O barulho correu canalizado através dos túneis arrepiando os cabelos dos que aguardavam nas plataformas. Dentro do trem não tive tempo de imaginar nada, muito menos de sentir. Meu corpo foi arremessado no ar e cruzou metade do vagão indo de encontro a uma porção de assentos amontoados e ferros de corrimão retorcidos. Chão. Tudo vergava e crepitava. Dali olhei sem entender absolutamente nada, havia pessoas ou restos delas ao meu redor, em meio a ferragens, sangue, calor. “Estou morrendo”... “Estou morrendo” e então as lágrimas vieram sem força alguma, apenas escorriam. Não havia tempo, não havia simplismente mais nada. A realidade tinha se desfigurado junto com os trens... Uma energia forte me atraia. Como pude levantei o rosto do chão e me apoiando sobre as mãos levantei meu tronco. O que vi em seguida jamais poderia esperar. Por trás dos destroços, no final oposto do vagão, sentado em uma fileira de bancos inexplicavelmente intacta estava...Ele.........
Era como um deus, a barba negra hirsuta e lisa, como os cabelos, o rosto branco e os olhos... Faiscaram quando encontraram diretamente os meus. Ódio e amor profundos. Um arrepio elétrico percorreu meu corpo. Por um breve instante uma de suas mãos pareceu se estender em minha direção, com a palma virada para cima; recuou. Estava sério. Ele deveria saber que não havia maneira de me levantar. Estava morrendo, delirando. Então ele veio. Vi as botas pesadas e negras caminhando e desviando de destroços, vindo em minha direção. Era um imortal, sem dúvida. Ali, no delicado momento de passagem entre a vida e a morte alguns segredos simplismente se revelavam a mim, assim como os fantasmas que em um aglomerado escuro contornavam o local do acidente. Quando ele finalmente chegou até meu corpo estirado ambos estremecemos. Estávamos ligados. Ele se abaixou e passou os braços por debaixo de minhas costas e levantando-me com muito cuidado colocou-me na altura de seu coração. Olhei-o. Ele não percebia, mas chorava como eu.
- Você está morrendo corvo.
- Lobo – chorava dolorosamente - ... – as palavras morriam em minha boca, misturadas a um gosto forte de ferro....- sangue?
Beijou-me longamente.
- O que você fez não tem perdão, corvo – sua voz era de profundo pesar – e você será castigada.
- Me perdoe meu amor, me perd......
- Shhh – ele me calou com mais um beijo e em seguida continuou - Não está em meu poder decidir seu destino. Mas irei atrás de você até o inferno, vou buscá-la. Você assassinou nosso amor. Por que? – uma pausa – Jamais entenderei. Não importa mais. O meu perdão já aconteceu, mas o carma que você atraiu para si mesma é um fardo de tamanho imensurável. Os deuses castigá-la-ão pela dor que você além de inflingir a mim inflingiu a si mesma. Foi um suicídio, há oito anos. E agora amor? Aos 27 te perco de novo..
Calou-se. Ali nos braços dele senti medo e logo senti pavor. Agarrei-me a ele com tudo o que me restava de vida, e com os braços ao redor de seu pescoço explodi em pranto.
“ Me perdoa, por favor.....eu te amo, preciso ficar junto com você.....”
- Sei que você me ama, pássaro negro. E até o fim dos tempos amarei você de volta. E até os confins do tempo perseguirei você, aonde quer que você vá...- e continou falando, mas eu já não conseguia entender o que dizia. Meu sangue enxarcava o sobretudo negro dele, e escorria pelo seu corpo, pingando no chão e fazendo uma pequena poça ao redor.
A certa altura só conseguia manter os olhos abertos e foi nesse momento que vi o mar negro de fantasmas que nos rodeavam abrir espaço. Uma entidade bestial se aproximava apavorando-os. De repente senti que fui brutalmente arrancada do colo dele por esta criatura. E ele chorou de dor e de ódio. As lágrimas se misturaram ao sangue. Um grito e uma promessa rasgaram o ar. Em segundos a criatura devorou meu corpo, e logo minha alma estava no limbo, sofrendo as mais terríveis punições.
O grito ecoou no tempo e nas dimensões. Assim como o animal negro que jamais encontrou descanso. Ele continua buscando implacável um pássaro da mesma cor..

14/04/2013

...


O caminho íngreme circundava delicadamente a elevação do terreno, e enquanto subia, a neve que se misturava com a terra sob seus pés formava uma trilha de pegadas solitárias.
A neblina se adensava próximo aos troncos e raízes das centenas d
e pinheiros, rasteira e silenciosa como um réptil. E o céu...o céu tocava as pontas dos pinheiros como se quisesse diminuir a distância entre ele e a terra.
O frio era intenso e, à medida que a temperatura baixava, a atmosfera tornava-se cada vez mais azulada...

14/12/2012

Permaneci alguns minutos olhando para mim mesma no espelho e saí dali.
Enquanto esquentava a comida praticamente ouvi vozes.
Não. Não havia sentido nenhum na minha existência. E não, não haviam respostas.
Mas quase instantaneamente reconheci: Sou aquela que não é.
Aquela responsável por....por trazer esperança...seja como for, aonde for....esperança pelo amor.

29/11/2012

 
As batalhas nunca são como lembramos. Narrados, a dor e o desespero da luta desaparecem, a glória áurea lhes toma o lugar, e a vitória ganha outras cores.
A verdadeira batalha é aquela em que se lutou, a outra é a origem dos romances.
Santos Romances, abomináveis batalhas!

07/10/2012

Constatação

O adeus é chorado, mas choraria mais se ficasse. Entao adeus, até onde o pranto cabe.
E por fim, tomara deus, se acabe.